Embora a tendência Coquete (abraçar uma hiperfeminidade clássica e barroca, com laços e rosa) já seja viral na América Latina e para alguns analistas de moda evoca um empoderamento ao resgatar uma feminilidade e seus códigos esmagados pela misoginia desde os anos 2000, para outros analistas tem um lado mais obscuro: a sexualização de meninas e, é claro, a apologia à pedofilia, entre outros problemas.
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No entanto, a tendência está associada a figuras como Maria Antonieta, mas para muitos é inevitável pensar em personagens como Lolita, a jovem abusada do controverso romance de Vladimir Nabokov, que é um clássico literário, onde ela tinha essa estética ‘inocente’ de laços, rosa e vestidos brancos. Mas, afinal de contas, é uma menina de 12 anos que é vítima de abuso sexual pelo seu padrasto.
Este nome inevitavelmente passou para a subcultura japonesa que se adapta na América Latina e que seria a Coquete original. Perturbadoramente, embora as Lolitas tenham mais códigos vitorianos, elas ainda compartilham certas características: essa estética da Lolita de Nabokov e seus vestidos e laços. Sua voz e comportamentos ‘suaves’, de criança. Sua ‘inocência’.
Isso também pode ser visto em filmes como 'V de Vingança', com Natalie Portman evocando de forma perturbadora uma criança antes de se vingar de um político.
No entanto, várias universidades de renome têm divulgado análises desde 2022 que inevitavelmente mostram o quão problemática é a tendência Coquete.
Pedofilia e glorificação de corpos magros
Na era em que o Y2K é glorificado, inclusive em seus aspectos mais problemáticos, como o tamanho zero e a anorexia (as contas Ana e Mia, que glorificam distúrbios alimentares, voltaram a ser vistas no Twitter), a estética Coquete, sem dúvida, celebra corpos extremamente magros e brancos.
E, é claro, como no se problematiza nem se investiga a origem das coisas no TikTok (como aconteceu com o old money), não se fala sobre o quão problemático é evocar a sexualização da infância.
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“Deve ficar claro que o Coquete tem suas raízes na pedofilia, o que é mais do que um pouco perturbador. Mas, está causando danos atuais aos usuários da internet? A resposta é sem dúvida sim; o lado obscuro dessa estética é ainda mais profundo”, escreve o jornalista Simon Policy na Universidade de Berkeley.
"Há muitas formas críticas em que essa tendência prejudica ativamente as pessoas na internet. A estética representa a pequenez infantil como uma característica desejável e atraente. A pele pálida e magra é colocada em um pedestal e tratada como a encarnação da inocência e pureza", afirma.
“Este estilo de moda hiperfeminino tende a excluir a diversidade em muitos aspectos. A moda Coquete idealiza e sexualiza pesos não saudáveis, o que por sua vez erotiza os distúrbios alimentares. Esta estética é atroz em todos os sentidos, desde sua origem até sua romantização moderna dos ideais pedófilos e excludentes, e não pode mais se disfarçar de uma expressão inocente de si mesma”, expressa.
Não é um viés moral do tipo "pensem nas crianças". Outros pontos de vista concordam com o jornalista.
Suas origens na Internet
“A moda hiperfeminina tem sido amplamente criticada nas redes sociais por não incluir pessoas negras e uma variedade de tipos de corpo, ao ponto de alguns acreditarem que ela promove distúrbios alimentares e padrões pouco realistas. Os modelos de moda hiperfeminina mencionados anteriormente são, de fato, mulheres brancas e magras”, argumenta Justina Roman em um artigo para a Universidade de Cherwell.
Por outro lado, que a estética seja referência do personagem Lolita, não é novo. No Tumblr, já nos anos 2000, existiam comunidades de mulheres que evocavam essa estética e se baseavam nas adaptações cinematográficas, ignorando seu contexto.
Mas também falavam sobre filmes em que as adolescentes se apaixonavam por homens mais velhos, como 'Beleza Americana' e 'O Profissional'. E letras de Lana del Rey que abordam o tema.
No entanto, autoras como Miskhka Hoosen afirmam que há muitas mulheres criadas na web que se identificam com Lolita e constroem sua própria narrativa.
“As meninas que experimentaram abuso e violência”, argumenta Hoosen, “sentem-se ligadas às imagens de Lolita e sua infância - os óculos de sol, a corrente de margaridas, as tranças - porque lhes lembram a inocência que ela e elas perderam. E elas usam essas imagens como armas para atormentar seus abusadores com o conhecimento de suas ações. ‘Lolita era uma menina e eu também. Olhe para ela. Olhe para mim. Olhe para nós, com nosso batom cereja e nossos vestidos xadrez. Estamos recuperando-os do seu olhar fetichista. Eles não são mais objetos sexuais que existem para o seu prazer pervertido, mas nossos, símbolos de nossa infância, que você nunca poderá destruir completamente’”, afirma a escritora Pavani Ambagahawattha, citando a autora.
Mas essa também fala de outros autores, como Sarah Cleaver, onde se fala desse mesmo olhar: fetichiza-se uma jovem que foi abusada.
E agora que a tendência é comercial, como é possível não pensar nesses referentes na hora de reproduzi-la? O que você acha sobre isso?